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entre alguns bárbaros? Ou, finalmente, que os frutos sejam comuns?
Se não fossem os cidadãos que lavrassem os campos, a questão seria
mais fácil de resolver, mas se são os cidadãos que lavram para eles próprios, a
questão das propriedades fica mais difícil. Existindo desigualdade entre o
trabalho e o usufruto, os que trabalham muito e recebem pouco protestarão
contra os que trabalham pouco e ganham muito. Em geral, é difícil viver junto e
possuir em comum as coisas que são de uso dos homens, sobretudo estas que
tocam de perto à vida. Não quero outra prova ou outro exemplo disso que não as
caravanas de viajantes que brigam a cada instante, por coisas insignificantes, e
as altercações perpétuas que é preciso tolerar no serviço alternado desses
domésticos que têm vários senhores. A comunidade de posse gera
naturalmente todas estas dificuldades.
A maneira como se vive hoje, principalmente se somarem os benefícios dos
bons costumes e das boas leis, é muito preferível, por ser capaz de nos
proporcionar a um só tempo estas duas vantagens: a da comunidade e a da
propriedade. Com efeito, é preciso que sob certos aspectos os bens sejam
comuns, mas que em geral pertençam a particulares. Por um lado, a repartição e
separação dos campos evita toda ocasião de disputa entre os cultivadores, e os
bens não param de se valorizar quando cada um os explora por sua conta; por
outro lado, conforme o provérbio, a virtude torna o uso comum entre amigos.
Esta maneira de viver não é nem impraticável nem carece de exemplos. Nos
Estados mais bem constituídos, ela existe de fato, ou então pode ser facilmente
introduzida. Na Lacedemônia, por exemplo, embora cada um tenha suas
próprias propriedades, elas são partilhadas com os amigos e se faz uso dos
bens deles como dos seus próprios. Da mesma forma, servem-se dos escravos,
dos cavalos e dos cães uns dos outros, ou dos víveres, se for preciso, como
quando se está em campanha e se carece do necessário. E muito conveniente,
pois, que as posses sejam particulares, mas que sejam comuns para o uso.
Como podem tornar-se assim? Cabe ao legislador resolvê-lo.
O encanto da propriedade é inexprimível. Não é em vão que cada um ama
a si mesmo; tal amor é inato; só é repreensível o excesso chamado
amor-próprio, que consiste em se amar mais do que convém. Tampouco é
proibido amar o dinheiro, nem outra coisa da mesma natureza: todos o fazem.
Mas é uma grande satisfação poder servir a um vizinho, a um estrangeiro, como
é possível quando se é proprietário, fonte desconhecida de prazer no sistema
que, para melhor unir os cidadãos, dá tudo à sociedade política.
Esse sistema, aliás, fecha as portas para duas virtudes eminentes: primeiro,
à continência de fato, é um nobre esforço abster-se da mulher de outro), e
depois, à liberalidade, pois como ser liberal se não se tem nada à disposição?
O aspecto sedutor da comunidade de todos os bens vem de que ela
parece, à primeira vista, convidar todos os homens a se amarem; também
contribui o preconceito existente de que os vícios que grassam em certos
regimes procedem da propriedade, como esses eternos processos que
sempre renascem entre os cidadãos por ocasião dos contratos, a corrupção de
testemunhas e a adulação a que as pessoas se rebaixam diante dos ricos. Mas
não é da propriedade dos bens que derivam esses males, mas da improbidade
dos homens. Observamos estas disputas, e outras ainda maiores, entre
aqueles que têm os bens em comum; elas são até mais comuns e mais
renitentes entre eles, embora sejam poucos, do que entre os proprietários, que
são muito mais numerosos.
Ademais, não bastaria indicar os males que a comunidade de bens
remediaria; seria justo falar também das vantagens de que nos priva: ela até
parece tornar a existência absolutamente impossível.
O que enganou a Sócrates foi que ele partiu de um princípio que não é
exatamente verdadeiro. Sem dúvida, tanto na sociedade política como na
sociedade doméstica, é necessária alguma unidade, mas não a unidade em
tudo. De tanto reduzi-Ia à unidade, faz-se com que não seja mais uma
sociedade. Seus vícios aumentam na medida de sua redução, mais ou menos
como se se reduzisse um concerto a uma voz, ou um verso a um pé.
já que a sociedade civil supõe, como já ficou dito, uma grande multidão
de homens, é preciso torná-la una pelos princípios e pela instrução comum.
Aquele que, tentando discipliná-la, se gaba de torná-la virtuosa por meios
diferentes da filosofia, dos bons costumes e das boas leis, engana-se
redondamente. Assim agiram o legislador de Creta e o da Lacedemônia, que
limitaram a comunidade dos bens, um apenas aos fundos destinados à despesa
com as refeições públicas, outro ao uso familiar das posses de cada um.
Deve-se, aliás, atentar para a longa seqüência dos séculos e dos anos
anteriores ao nosso e persuadir-se de que as boas instituições não escaparam
à sagacidade dos que nos antecederam. Quase tudo foi imaginado, mas, dos
diversos projetos propostos, uns não foram aceitos, outros foram abandonados
após algumas tentativas.
Da mesma forma, basta submeter a uma tentativa a comunidade
socrática e se terá a prova de que ela é impraticável. Com efeito, jamais se
formará um Estado se não se começar por classificar os homens e partilhar os
bens, destinando alguns ao uso público e distribuindo o restante às cúrias e às
tribos particulares.
Assim, nada resta que possamos conservar do sistema de Sócrates, a
não ser que não se deve permitir a agricultura aos militares, como os
lacedemônios começam a estabelecer entre eles.
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