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capi- tão chamava o pobre homem:
Venha cá!
O homem aproximava-se amedrontado e Ortiz perguntava:
Quanto quer por isso?
Três mil-réis, capitão.
Ele sorria diabolicamente e familiarmente regateava:
Você não deixa por menos?... Está caro... Isso é peixe ordiná- rio... Carapebas! Ora!
Bem, capitão, vá lá por dois e quinhentos.
Leve isso lá dentro.
Ele falava na porta de casa. O pescador voltava e ficava um tempo em pé, demonstrando que
esperava o dinheiro. Ortiz balançava a cabeça e dizia escarninho:
Dinheiro! hein? Vá cobrar ao Floriano.
Entretanto, Moreira César deixou boas recordações de si e ainda hoje há lá quem se lembre
dele, agradecido por este ou aquele benefício que o famoso coronel lhe prestou.
As forças revoltosas pareciam não ter enfraquecido; tinham, porém, perdido dois navios,
sendo um destes o "Javari", cuja reputação na revolta era das mais altas e consideradas. As forças de
terra detestavam-no particu- larmente. Era um monitor, chato, raso com a água, uma espécie de sáurio
ou quelônio de ferro, de construção francesa. A sua artilharia era temida; mas o que sobremodo
enraivecia os adversários era ele não ter quase borda acima d'água, ficar quase ao nível do mar e fugir
assim aos tiros incertos de terra. As suas máquinas não funcionavam, e a grande tartaruga vinha
colocar-se em posição de combate com auxílio de um rebocador.
Um dia em que estava nas proximidades de Villegagnon, foi a pique. Não se soube e até hoje
não foi esclarecido por que foi. Os legalistas afir- maram que foi uma bala de Gragoatá; mas os
revoltosos asseguraram que foi a abertura de uma válvula ou um outro acidente qualquer.
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Como o do seu irmão, o "Solimões", que desapareceu nas costas do cabo Polônio, o fim do
"Javari" ainda está envolvido no mistério.
Quaresma permanecia de guarnição no Caju, e viera receber dinheiro. Deixara lá Polidoro,
pois os outros oficiais estavam doentes ou licenciados, e Fontes, que, sendo uma espécie de inspetor
geral, ao contrário de seus hábitos, dormira aquela noite no pequeno pavilhão imperial e ia ficar até à
tarde.
Ricardo Coração dos Outros, desde o dia da proibição de tocar vio- lão, andava macambúzio.
Tinham-lhe tirado o sangue, o motivo de viver, e passava os dias taciturno, encostado a um tronco de
árvore, maldizendo no fundo de si a incompreensão dos homens e os caprichos do destino. Fontes
notara a sua tristeza; e, para minorar-lhe o desgosto, obrigara a Bustamante a fazê-lo sargento. Não foi
sem custo, porque o antigo vete- rano do Paraguai encarecia muito essa graduação e só a dava como
recom- pensa excepcional ou quando requerida por pessoas importantes.
A vida do pobre menestrel era assim a de um melro engaiolado; e, de quando em quando, ele
se afastava um pouco e ensaiava a voz, para ver se ainda a tinha e não fugira como o fumo dos
disparos.
Quaresma sabendo que dessa maneira o posto estava bem entregue, resolveu demorar-se mais,
e, após despedir-se de Albernaz, encaminhou-se para a casa do seu compadre, a fim de cumprir a
promessa que fizera ao general.
Coleoni ainda não decidira a sua viagem à Europa. Hesitava, espe- rando o fim da rebelião que
não parecia estar próximo. Ele nada tinha com ela; até ali, não dissera a ninguém a sua opinião; e, se
era muito instado, apelava para a sua condição de estrangeiro e metia-se numa reserva pru- dente.
Mas, aquela exigência de passaporte, tirado na chefatura de polícia, dava-lhe susto. Naqueles tempos,
toda a gente tinha medo de tratar com autoridades. Havia tanta má vontade com os estrangeiros, tanta
arrogância nos funcionários que ele não se animava a ir obter o documento, temendo que uma palavra,
que um olhar, que um gesto, interpretados por qualquer funcionário zeloso e dedicado, não o levassem
a sofrer maus quartos de hora.
Verdade é que ele era italiano e a Itália já fizera ver ao ditador que era uma grande potência,
mas no caso de que se lembrava, tratava-se de um marinheiro, por cuja vida, extinta por uma descarga
das forças legais, Floriano pagara a quantia de cem contos. Ele, Coleoni, porém, não era marinheiro, e
não sabia, caso fosse preso, se os representantes diplomáti- cos de seu país tomariam interesse pela sua
liberdade.
De resto, não tendo protestado manter a sua nacionalidade, quando o governo provisório
expediu o famoso decreto de naturalização, era bem possível que uma ou outra parte se ativessem a
isso, para desinteressar-se dele ou mantê-lo na famosa galeria n. 7, da Casa de Correção, transfor-
mada, por uma penada mágica, em prisão de Estado.
A época era de susto e temor, e todos esses que ele sentia, só os comu- nicava à filha, porque o
genro cada vez mais se fazia florianista e jacobino, de cuja boca muita vez ouvia duras invectivas aos
estrangeiros.
E o doutor tinha razão; já obtivera uma graça governamental. Fora nomeado médico do
Hospital de Santa Bárbara, na vaga de um colega, demitido a bem do serviço público como suspeito
por ter ido visitar um amigo na prisão. Como o hospital, porém, ficasse no ilhéu do mesmo nome,
dentro da baia, em frente à Saúde e a Guanabara ainda estivesse em mão dos revoltosos, ele nada tinha
que fazer, pois até agora o governo não aceitara os seus oferecimentos de auxiliar o tratamento dos
feridos.
O major foi encontrar pai e filha em casa; o doutor tinha saído, ido dar uma volta pela cidade,
dar arras de sua dedicação à causa legal, con- versando com os mais exaltados jacobinos do Café do
Rio, não esquecendo também de passear pelos corredores do Itamarati, fazendo-se ver pelos aju-
dantes-de-ordens, secretários e outras pessoas influentes no ânimo de Flo- riano.
A moça viu entrar Quaresma com aquele sentimento estranho que o seu padrinho lhe causava
ultimamente, e esse sentimento mais agudo se tor- nava quando o via contar os casos guerreiros do seu
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destacamento, a passa- gem de balas, as descargas das lanchas, naturalmente, simplesmente, como se
fossem feições de uma festa, de uma justa, de um divertimento qual- quer em que a morte não
estivesse presente.
Tanto mais que o via apreensivo, deixando perceber numa frase e noutra desânimo e
desesperança.
Na verdade o major tinha um espinho n'alma. Aquela recepção de Floriano às suas lembranças
de reformas não esperavam nem o seu entu- siasmo e sinceridade nem tampouco a idéia que ele fazia
do ditador, Saíra ao encontro de Henrique IV e de Sully e vinha esbarrar com um presidente que o
chamava de visionário, que não avaliava o alcance dos seus proje- tos, que os não examinava sequer,
desinteressado daquelas altas coisas de governo como se não o fosse!... Era pois para sustentar tal
homem que deixava o sossego de sua casa e se arriscava nas trincheiras? Era, pois, por esse homem
que tanta gente morria? Que direito tinha ele de vida e de morte sobre os seus concidadãos, se não se
interessava pela sorte deles, pela sua vida feliz e abundante, pelo enriquecimento do país, o progresso
de sua lavoura e o bem-estar de sua população rural?
Pensando assim, havia instantes que lhe vinha um mortal desespero, uma raiva de si mesmo;
mas em seguida considerava: o homem está atrapa- lhado, não pode agora; mais tarde com certeza ele
fará a coisa...
Vivia nessa alternativa dolorosa e era ela que lhe trazia apreensões, desânimo e desesperança,
notados por sua afilhada na sua fisionomia já um pouco acabrunhada.
Não tardou, porém, que, abandonando os episódios da sua vida mili- tar, Quaresma explicasse
o motivo de sua visita.
Mas qual delas? perguntou a afilhada.
A segunda, a Ismênia.
Aquela que estava para casar com o dentista?
Esta mesmo.
Ahn! ...
Ela pronunciou este "ahn" muito longo e profundo, como se pusesse nele tudo que queria dizer
sobre o caso. Via bem o que fazia o desespero da moça, mas via melhor a causa, naquela obrigação
que incrustam no espí- rito das meninas, que elas se devem casar a todo custo, fazendo do casa- mento
o pólo e fim da vida, a ponto de parecer uma desonra, uma injúria ficar solteira.
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